Thursday, February 6, 2014

Sem número, número 19

Já se perdeu a conta aos dias cinzentos de chuva, aos dias encerrados em casa, diante de um computador e livros. O isolamento constrói-se e, ao sair à rua, forçada pelos compromissos médicos, compreende-se finalmente o tamanho da solidão. É um luxo não se ser forçado a conviver com desconhecidos. Ao entrar no táxi compreende-se a importância de se estar só, distante das ruas, do metro, dos autocarros, dos balcões de atendimento. Durante um quarto de hora - oh, e entrara-se no táxi pensando poder contornar as distâncias e o tempo - o homem fala, fala, fala, queixa-se, brada contra todas as entidades de esquerda, contra o sistema político, pragueja e insulta violentamente, fazendo estremecer o passageiro. E os semáforos que insistem em ficar vermelhos, que permanecem assim durante minutos a fio, e a ânsia pelo verde, a ânsia de chegar, de poder sair dali e não ouvir mais aquele homem. «Cale-se», grita mentalmente. «Deixe-me», desejando o silêncio, que é mais valioso do que ouro e todas as pedras precisosas do mundo. No final, perante a ausência de reacção, pergunta se já terminei o meu curso, se trabalho. Digo-lhe que não. Espanta-se. «Como não trabalha?» Chegamos, finalmente. E saio, pago, deixo alguns cêntimos a mais: a vontade de sair dali não tem preço.

Monday, February 3, 2014

Sabes que não estás assim tão velha e acabada porque...

... É de madrugada e, tendo um projecto em mãos, sentes-te ainda motivada e desperta para continuar. Quebraste antes do jantar, mas a partir daí foi sempre a aviar e olhas para a lista de tarefas, de textos a escrever e cenas para apontar e fazer e decides-te a tratar ainda mais alguns assuntos antes de ir dormir, porque te dá para rabiscar e escrevinhar. É mais ou menos (menos, oh, muito menos) como quando, durante alguns meses, fazias uma directa semanal e tinhas tantas responsabilidades em mãos que chegavas a trabalhar das 22.00 às 2.00 e a levantares-te às 6.30 para escrever, sentindo-te fresca como uma alface e cheia de ideias e das palavras certas para transpor para o papel. «A fervilhar», seria a expressão correcta para descrever o que sentias. E sentias o que sentias, porque não tinhas uma gota de respeito pelas pessoas que insistiam em ser parvas e desvalorizavam o teu trabalho.

E eis que, finalmente, cinco anos depois (já passou tanto tempo?), sentes algo semelhante e sentes-te bem (vá, exceptuem-se as dores nas costas, no rabo e o cansaço nas pernas), porque não há ninguém que te possa fazer sentir uma incompetente, ou simplesmente mal por seres uma Wikipedia tonta com braços e pernas e muita informação inútil. That's it.